Ancestralidade

Você invoca seus ancestrais?

Lendo um pouco sobre religiões me deparei com a palavra ancestralidade muitas vezes repetida nas folhas. Fiquei pensando quantas e quantas vezes já chamei por aqueles que estiveram aqui antes de mim. Quantas vezes peço companhia, orientação, proteção… Daí fiquei pensando sobre nossa ancestralidade comum, isso nos afeta? E de que forma?

No início da semana tive a oportunidade de participar de uma cerimônia budista para os nossos antepassados. Vi o extremo respeito que acompanhava toda a solenidade e a leveza ao se referir aos mortos. Escutei tantos nomes: José, Paulo, Fernanda, Família Soares, Família Silva, até que escutei os “meus” nomes, escutei os nomes de familiares e amigos que já se foram. Comecei a entender as semelhanças, comecei a ficar consciente de que todos aqueles nomes que foram mencionados, e os que não foram diretamente, eram “meus” também. Éramos iguais ali com nossas lembranças, respeito, saudades, amores…

Mudando um pouco de ambiente, ontem assisti uma animação japonesa chamada Mononoke Hime, do diretor Hayao Miyazaki.

Sempre fico impressionada com a honra oriental e com a  manifestação de um pertencimento ao todo existente. No filme, os mais lindos e delicados assuntos: batalhas travadas para salvar a floresta (vida), homens enfrentando animais,  Deuses assassinados, consciência dos limites e deveres, bravura em aceitar o destino, esperança de comunhão entre os seres… Mas, minha atenção foi tomada pelas insistentes tentativas de diálogo, em determinadas situações alguns personagens tinham a prática de tentar despertar outros de seus momentos de cegueira. A fúria e o desespero levavam-os a atitudes egoístas e desonrosas, assim, antes de usar a flecha (força), o filme propõe que utilize-se o senso. Mas, se necessário for fazer uso da força, OK, sem ódio e sem culpa.

Essa é uma das coisas mais simples do filme e, para mim, é a mais significativa, porque é tão cotidiana, está sempre presente no nosso caminho. Fomos ensinados, em algum momento da vida, a devolver na mesma moeda, a projetar no outro a nossa raiva e frustração. Parece que passamos a não compreender mais as expressões intensas de emoção, há sempre julgamento por diversos lados, e acabamos por vezes nos desconectando, nos afastando das nossas emoções e fingindo por longo tempo.

Li sobre um samurai chamado Nobushige  que foi até um sábio de nome Hakuin, e perguntou-lhe:

“Se existe um paraíso e um inferno, onde estão?”

“Quem é você?” perguntou Hakuin.

“Eu sou um samurai!” exclamou.

“Você, um samurai?!” riu-se Hakuin. “Que espécie de governante teria tal guarda? Sua aparência é a de um mendigo!”

Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar sua espada, mas Hakuin continuou:

“Então você tem uma espada! Sua arma provavelmente está tão cega que não cortará minha cabeça…”

O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritando de ódio.

Neste momento Hakuin gritou:

“Acabaram de se abrir os Portais do Inferno!”

Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai embainhou sua espada e fez-lhe uma profunda reverência.

“Acabaram de se abrir os Portais do Paraíso,” disse suavemente Hakuin.


Não é pra sair matando, mas não custa expressar com clareza de coragem (fui redundante, mas é pra ser mesmo) o que sente, né?!

O respeito por tradições, por sua integridade, pelo outro e suas escolhas, pelos seres e coisas que estão ao seu redor, por tudo que passou, por aqueles que lutaram, pelos que não lutaram, enfim, por um todo, é parte de nós. Tudo está manifestado aqui em nós e onde nós vivemos.

Nada começa em mim, nada termina em mim, mas conheço em mim o respeito e assim reconheço em cada ser.

Divagações de quem tenta aprender ou desaprender algo…

Até!

Vivi Bezerra