deus, ajuda
madrugou cego e foi trabalhar.
experiências sobre o feliz e o triste
deus, ajuda
madrugou cego e foi trabalhar.
Eu sou aquela mãe solteira.
Eu sou aquela mulher que envelhece em flácido corpo.
Eu sou o amante traído, enlouquecido.
Eu sou a mãe de família cozinhando bifes.
Eu sou o cachorro que precisa ser sacrificado.
Eu sou o enfermeiro depois de 36 horas de plantão.
Eu sou a avó cibernética.
Eu sou o artista contemplado.
Eu sou o pai doente.
Eu sou o gato no dia de sol.
Eu sou a garota de sorriso lindo que anda livremente no escritório.
Eu sou o gozo manifestado seis vezes ao anoitecer.
Eu sou o relatório com pressa.
Eu sou o ônibus cheio.
Eu sou a enchente que arrasta lixo.
Eu sou o namoro vencido.
Eu sou o beijo inclinado, girado, pressionado.
Eu sou a goteira em testa confusa.
Eu sou a alegria que dura uma lua cheia.
Eu sou o medo de viver uma infelicidade.
Eu sou repouso em colo de amor.
Eu sou o caos cimentando a metrópole.
Eu sou Alberto Caeiro, Joplin, Brecht, Lao Tsé, Neruda, Ésquilo.
Eu sou um estado de estar.
Vai me desculpando…
Hoje uma andorinha fez cocô em mim.
Sorri. Gargalhei. Me vi alegre com aquela cagada. Leve.
Feliz na merda.
Pai e filho.
– Aquela é a almôndega. Ali é a ervilha. Tem o filé… Tá vendo, filho?
O painel com as fotos das comidas é grande.
O menino castanho em cima da carroça é pequeno.
O pai segue subindo a rua puxando sua carroça.
…
Olho grande. Painel pequeno.
– olha lá! esta senhora todos os dias dá pão dormido para os pombos.
– porra, muitos, né?!
– muitos, acho isso foda.
– você acha? semana passada tinham três mortos bem na frente da casa dela.
[silêncio]
– por que você acha que eles voltam pra morrer perto dela?
Só digo uma coisa (ou duas):
Frango orgânico é um pleonasmo tanto quanto amor livre.
Mantenho a ideia em: frangos livres e amores orgânicos.
Frangos amorosos e liberdades orgânicas.
Daí lembrei da conveniência das palavras e parei por aí.
Deu medo de lembrar da conveniência do “amor” e da “liberdade”.
para onde vão os pensamentos esquecidos?
do escuro dois brilhos de olhos me observavam, para onde seguiram olhando?
certa vez consegui me entregar, jogar-me pesadamente no teu coração, sensação esquecida… quando?
vibra de dor o corpo que não consegue ser ajudado
esta noite, tomei a mesma decisão da noite passada
amanhece e já me esqueço de tentar
como se consegue apagar alguém?
como se consegue pendurar pra fora um amor?
carro, mas não é zero
bike, mas não tem montanhas
zazen, mas não tem árvores, pássaros, água
casamento, mas sem lar
trabalho, mas não tem tesão, satisfação
sexo, mas que trabalho!
caminhadas, mas tem frio, tem chuva
namorada, mas não tem novidade
começo, mas não tem facilidade
fim, mas não tem continuidade
música, mas não tem tempo
sono, mas não tem paz